- Sandra é acusada de matar seu marido Samuel ao cair da terceira andar.
- A investigação da polícia aponta inconsistências na versão de Sandra e ela vai a júri popular.
- O filme questiona se o julgamento busca realmente descobrir a verdade ou apenas a percepção dela.
O filme “Anatomia de uma Queda” de Justine Triet, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes deste ano, coloca todos querendo saber se Sandra matou seu marido Samuel. Mas o filme sugere que essa não é a única pergunta que devemos fazer.
“Anatomia de uma Queda” é uma história policial – mas em sua visão do sistema legal, a justiça é uma busca menos pela verdade do que pela percepção dela. Na ausência de compreender como algo acontece, perguntamos ao invés pelo porquê.
O título do filme carrega um duplo significado. Há a queda literal de Samuel – sua morte investigada através da por vezes cômica ciência da perícia policial que examina estranhas manchas de sangue e a defesa chega a simular a fatal queda com um clone de tamanho real. E há a queda figurativa de Sandra conforme as circunstâncias de sua vida são desenterradas após sua acusação.
O julgamento que se segue é um ato de humilhação. Suas leves infidelidades viram um reflexo de seu caráter. Seu trabalho – a ficção que escreve – é questionado, tudo porque ela admitiu tirar inspiração da realidade para seus romances, como se essa não fosse uma opinião genérica de qualquer autor.
Mas mais dolorosas são as escavações em seu casamento, que estava tenso há anos sob a pressão do dinheiro, da ambição e da criação dos filhos. Coisas bastante rotineiras em casamentos, até serem interrogadas em juízo. Sandra explica ao júri: “Às vezes lutamos juntos. Às vezes lutamos sozinhos. Às vezes lutamos um contra o outro”. O tipo de sentimento amplo que pode se aplicar a qualquer relacionamento. Infelizmente, não soa tão bem em voz alta quando ela está no banco das testemunhas.
Hüller é notável no centro de um filme cheio de grandes atuações, oscilando entre arrogância e vulnerabilidade. Ela não é antipática, mas também não estamos exatamente ao seu lado. Uma cena extraordinária, recontando uma discussão violenta que Sandra e Samuel tiveram no dia anterior à queda, toma a direção imprevisível de se fundamentar no cotidiano: um casal brigando sobre quem tem mais tempo para si.
“Anatomia de uma Queda” é mais efetivo como teatro jurídico. A travessura entre promotor e defesa é especialmente boa, igualmente irônica e arrogante – um vilão satisfatório mesmo em um filme onde não há realmente mocinhos. Mas o julgamento também afina a ideia central do filme: na ausência de entendimento sobre como algo acontece, perguntamos ao invés pelo porquê.
“Anatomia de uma Queda” é inteligente, incisivo e ágil, um mistério que se baseia não na prestidigitação mas na cruel honestidade. O que Sandra diz no início do filme – que a realidade informa a ficção – está errado. Na verdade, é o contrário. Em certo momento, Sandra apresenta o caso diretamente a seu advogado: “Eu não o matei”. Ele parece entender, porque rapidamente responde: “Esse não é o ponto”.
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